Meu Amor

por Fernando Alvim



Meu amor, escrevo-te para te dizer que deixas-te cá os teus brincos. Estão no quarto, do lado onde pões sempre as tuas coisas e te vais esquecendo delas à medida que sais com aquelapressa. Sempre com pressa. Meu amor, tenho ciúmes desse teu emprego, dessa tua vida, porque ela me tira de ti mais que nenhuma outra coisa. Gostava que desistisses desse teu emprego meu amor mais lindo, para eu desistir também do meu e assumirmos que a nossa profissão é amarmo-nos como se fossemos uma empresa dessas que para aí andam a fechar e a despedir gente. Em vez de pegarmos ao emprego, devíamos pegar ao amor. Numa fase inicial amávamo-nos das 9 às 5. E depois daí, saímos fora do expediente e dedicávamo-nos às horas extraordinárias que desde sempre foram mais lucrativas.

Meu amor, são tão extraordinárias as horas que passamos juntos que por vezes penso que deveríamos abandonar as de serviço. Nunca mais das 9 às 5, meu amor. Nunca mais meu amor só meu. Só extraordinárias é que faremos.

Meu amor, estivemos tanto tempo juntos desta vez que quero que saibas que todo eu cheiro a ti. O meu quarto cheira a ti. A minha cama, a minha roupa, esta carta, o teu cheiro está em toda a parte como se fosse um pólen poderoso que anuncia a primavera. Meu amor, nunca mais me saias desta cama, vem para aqui de novo, estávamos tão bem a ouvir rádio, tão quentes aqui dentro, que quando saíste juro que foi igualito a teres aberto uma janela do carro naqueles dias de geada em Bragança.

Meu amor, não me voltes a sair assim da cama. Esquece lá o emprego, a vida lá fora,  o que dizem os jornais, porque nada é mais importante do que este quente da cama, ouvir a vizinha do lado a cantar Roberto Carlos sem que esta nos ouça a rir, os carros a passarem na rua com velocidades de arrepiar um qualquer radar.

Meu amor, não me voltes a sair da cama tão depressa, porque um dia destes agarro-te a ti e juro que vou encavalita-do em ti até esse maldito emprego, de pijama e tudo, só para teres vergonha e não me voltares a sair desta cama.

Crónica - Luís de Castro
Luís Castro 

Repórter de Guerra

por Luís Castro



m andaram-me para um conflito esquecido no imenso Zaire; perdi-me na linha de frente em Angola; aprendi a linguagem do mato e descobri reféns em Cabinda; fugi das cidades em chamas e vasculhei montanhas em Timor; estive dentro da guerra e das traições na Guiné; fui à capital dos talibãs para sentir o cano de uma kalashnikov; disfarcei-me nas tempestades do deserto iraquiano para compreender o povo do exército mais fraco.

Em tempos, alguém me disse que “os tiros que tu ouves, não te matam.” Ouvi-os a todos e fui agradecendo a Deus cada vinte e quatro horas de vida que me dava. Tive dois acidentes graves, problemas de saúde, estive preso por quatro vezes, expulsaram-me outras tantas, fugi com uma sentença de morte sobre os ombros, proibiram-me a entrada em vários países, fui humilhado e agredido por quem menos esperava. Não me deram fortuna, apenas a possibilidade de estar onde aconteceu História.

“Fiz” um golpe de estado por antecedência, relatei a queda de ditadores, os horrores de quem ia morrendo à minha volta, o desespero dos que fugiram dos tiros, a injustiça de morrer sem culpa, a revolta por sentir o inimigo a ocupar-lhe a soleira da porta, o ódio para quem a crença não tem que ser coerente.

Durante os últimos onze anos cobri dezoito guerras ou situações de conflito. Enviei para Portugal mais de setecentas reportagens. Fugi dos directos nos telhados e fui ao encontro dos acontecimentos nas ruas ou no mato. Fiz entrevistas a chorar. Revoltei-me e senti que tinha muito mais para contar do que os dois ou três minutos que as reportagens me permitiam.

Por tudo isto, decidi passar a interagir com quem está outro lado do ecrã. Porque nós - jornalistas de televisão - estamos mais habituados a falar do que a ouvir; porque os públicos não estavam acostumados a ser respondidos e porque são eles os destinatários do nosso trabalho, o cheiroapolvora tornou-se rapidamente muito mais do que um blogue.






Crónica - Thalita Rebouças
Thalita Rebouças 

Três meses em Lisboa

por Thalita Rebouças



m uito se fala sobre Portugal no Brasil. “É uma terra muito linda” pra cá, “Tem monumentos de cair o queixo” pra lá, e por aí vai. Tive o enorme prazer de passar três meses em Lisboa, cidade que me acolheu tão bem que meu coração não resistiu e se apaixonou perdidamente. Instalei-me de abril a junho no Chiado e de lá pude observar de camarote o dia-a-dia lisboeta e suas peculiaridades.

Aprendi que se gosto muito no Brasil, gosto imenso em Portugal; se quero classificar uma roupa de cafona, ou brega, é melhor dizer que é pirosa; quando acho um lugar bacana, melhor afirmar que o sítio é giro, ou fixe, e quando quero andar de trem, devo perguntar onde pego o comboio. Ah! Em Portugal não se faz fofoca. Quando se fala da vida alheia, os portugueses estão a fazer tertúlias. Gente fina é outra coisa!

Percebi também que, ao contrário dos homens, que dizem calmamente que gostavam de ir à praia quando eram putos, não posso jamais, em hipótese alguma, dizer que quando eu era puta me divertia a valer na praia. Puto em Portugal é miúdo, garoto para os brasileiros. Já puta é puta, ora, pois. Igualzinho ao Brasil. Ainda bem que não cheguei a cometer essa gafe. Mas, confesso, foi por pouco.

Indo por esse caminho, aprendi uma lição valiosíssima com meu cabeleireiro de Lisboa. Nunca confundir queque, um salgadinho que os brasileiros chamam de empada, com queca, palavra pouco polida usada como significado de sexo em solo lisboeta. Por isso, atenção mulherada brazuca, pedir uma queca bem quentinha a um garçom pode causar sério embaraço e dar à moçoila perguntadeira um ar de devoradora de homens. Portanto, muita atenção às vogais!

Broche também é um assunto delicado. Apesar de significar, como em terras brasileiras, aquele acessório que prendemos a roupas e mochilas, a palavra está mais associada ao, hum... como direi... sexo oral. Por isso, melhor dizer bottons, pins ou algo do gênero. Quando contei a uma amiga (a Leonor Seixas, atriz lindona por dentro e por fora e amiga de todas as horas) que durante a última Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, fiz 11 mil broches, ela me disse, às gargalhadas: “Ah, então é por isso que seus livros fazem tanto sucesso no Brasil!”. Muito engraçadinha.

Já que escrevi “engraçadinha”, não posso deixar de comentar o susto que levei com o uso do “engraçado” pelos portugueses. Na terra descoberta por Cabral, esta palavra significa divertido, uma coisa engraçada é uma coisa que causa risos. Por isso, quando olharam e folhearam um livro meu e me disseram “que engraçado”, fechei a cara e tive vontade de perguntar: engraçado por quê? Onde é que está a piada aqui?”. Só depois de um tempo fui entender que engraçado era o equivalente ao “bacana” dos brasileiros.

Outra confusão constante é a bicha. Dizer no Brasil para um homem entrar na bicha pode gerar reações imprevisíveis, já que bicha é a forma popular de chamar os gays. Mas saí de Lisboa sem entender porque os portugueses chamam uma fila indiana de fila indiana mesmo, e não de bicha indiana.

E por falar em gays, não posso deixar de mencionar a pica. No Brasil, ai, ai, ai... essa palavra de quatro letras nada mais é do que... do que... do que a definição chula para o órgão sexual masculino. Pronto, falei! E pensar que em Portugal pica é sinônimo de garra, coisa que tenho de sobra, pois botei na cabeça que iria publicar meus livros aqui e acabei assinando contrato com a Editorial Presença, uma das melhores editoras da terra de Camões. Por isso, posso sempre dizer em Lisboa, e apenas em Lisboa!!!, que pica não me falta. Já no Brasil, essa frase é vetada para qualquer moça de boa família.

Falando em pica, não posso deixar de discorrer sobre pila, que é um nome feio para os portugas, mas no meu país, principalmente no Sul, é sinônimo de dinheiro. “Tô sem pila. Você tem pra me emprestar?”. Portugueses queridos, não se assustem, podem dizer isso sem medo quando forem ao meu Brasil varonil.

No mais, em Portugal futebol é futebol, novela é novela, rua é rua, e amor é amor. E é imenso o amor que eu sinto por Lisboa e pela Marta, amiga pra vida toda, que me encomendou um texto pra este site giríssimo e me deu essa grande oportunidade de contar um pouco da minha estada na terrinha.

Crónica - Fernando Alvim     
Fernando Alvim 

A Promessa

por Fernando Alvim



Como devem calcular só irei escrever neste site porque Marta Leite Castro insistiu muito pensando que eu não devo ter mais nada que fazer. Mas a Marta tem uma forma muito particular de pedir as coisas: começa a falar como se tivesse com birrinha e a fazer beicinho e enquanto vai repetindo “anda lá anda lá!” já nós estamos no duche a tomar um banhinho de água fria por causa da tosse.

Ainda não faço ideia nenhuma daquilo que posso e irei escrever neste site mas vos garanto que será algo extraordinariamente interessante. E até podia ter começado já hoje, caso eu tivesse alguma coisa interessante para dizer, o que desafortunadamente, não se confirma. Em breve terão novidades minhas. Se tiverem fotografias da marta em trajes diminutos peço pois que me enviem. Obrigado e até um dia destes que eu agora tenho mais que fazer.