Prazeres virtuais
Os videogames tornaram-se parte
do
modo de vida dos jovens. São
seu
passaporte para mundos fantásticos

Entre os jovens que freqüentam as casas de jogos de computadores – as lan houses –, o estudante paulistano Alexandre Chiqueta não é conhecido pelo nome. Nesses locais, ele é simplesmente o Gaulês – seu codinome como capitão de uma equipe de Counter-Strike, jogo de combate entre policiais e terroristas fictícios. Chiqueta tem 20 anos, vai a lan houses desde os 16 e há oito meses, quando seu time ganhou o patrocínio de uma empresa, virou jogador profissional. Pelo menos quatro vezes por semana ele passa seis horas por dia comandando os cinco jogadores de sua equipe em batalhas virtuais. Chiqueta conheceu seus melhores amigos em lan houses e namora uma garota que também é aficionada. Mesmo que de forma menos intensa do que ocorre com ele, o universo dos videogames é algo que se incorporou ao dia-a-dia de uma parcela considerável dos jovens do país. De acordo com a pesquisa Target Group Index, mais da metade do público de 12 a 19 anos nos onze maiores mercados possui jogos do gênero em casa. Outro levantamento recente, patrocinado pelo Instituto Cidadania, revelou que 46% dos jovens brasileiros já foram a lan houses. Surgidos no fim dos anos 90, esses estabelecimentos se converteram num dos principais pontos de encontro dos adolescentes . Sua popularidade dá boa medida da importância que os videogames assumiram para a juventude.


Chun, com sua armadura de kendo: ele abriu uma rede de casas de jogos com apenas 22 anos

Os jovens atuais vivem num ambiente em que os videogames já não são os mesmos primos pobres da indústria de entretenimento dos tempos dos primeiros modelos do Atari. Perto do vigor econômico e tecnológico desse mercado hoje, o que ocorreu menos de trinta anos atrás nessa área é a idade da pedra. O mercado de videogames movimenta 28 bilhões de dólares no planeta e, nos Estados Unidos, já fatura mais que a arrecadação de bilheteria da poderosa indústria de cinema. A influência do setor sobre Hollywood é uma amostra de sua força. Nos últimos anos, personagens saídos do mundo virtual, como a heroína Lara Croft, deram mote a sucessos da tela. Superproduções como O Senhor dos Anéis e as aventuras do bruxo Harry Potter têm seu faturamento turbinado por jogos inspirados neles. A criação de um videogame de primeira linha passou a envolver orçamentos de milhões de dólares. É um mercado tão vigoroso que, para os artistas pop, criar a trilha sonora de um jogo tornou-se mais lucrativo do que fazer o mesmo para um filme.

Brincar num videogame vem se tornando cada vez mais uma experiência virtual que lembra aquelas descritas nos livros de ficção científica. Há jogos que permitem a interação de várias pessoas e dão a seus jogadores a sensação de vivenciar aventuras em realidades paralelas. There, um jogo lançado nos Estados Unidos no ano passado e do qual se participa via internet, talvez seja o exemplo máximo de como se pode tirar prazer desse tipo de experiência. O jogo não tem perdedores nem ganhadores: cada participante cria seus objetivos dentro de um imenso mundo virtual, relacionando-se com outros jogadores ao redor do planeta. Ele se somou a uma lista de jogos de computador que, graças à internet, agora permitem esse tipo de interação coletiva, como o The Sims, em que o participante gerencia o cotidiano de pessoas virtuais, e a aventura EverQuest, num planeta fictício. Ao todo, estima-se que haja mais de 7 milhões de pessoas ao redor do mundo praticando esse tipo de jogo. Mas no Brasil, onde não são fabricadas nem mesmo as plataformas de videogames mais populares – o PlayStation, da Sony, e o Xbox, da Microsoft –, os jogos de ponta disputados pela internet ainda estão longe de se tornar populares.
Até por essas limitações, as lan houses acabaram se tornando o espaço por excelência em que os jovens podem viver suas experiências no mundo virtual. Segundo a Associação Brasileira de Lan Houses, existem 2 000 estabelecimentos do gênero em território nacional, freqüentados por 6 milhões de usuários, na maioria adolescentes. Curiosamente, a Monkey, rede que foi precursora no país e que hoje possui o maior número de lojas – são 36 –, foi criada por um jovem. O paulistano Sunami Chun, de 28 anos, tinha 22 quando abriu seu primeiro negócio do gênero. Em 1998, durante uma viagem à Coréia do Sul, terra de seus pais e o primeiro país a viver a febre das lan houses, Chun ficou impressionado com a novidade. Ao retornar, trancou a matrícula na faculdade de ciências sociais e emprestou 100 000 dólares da mãe para investir nisso. Detalhe: embora seja fascinado pelo mundo virtual, ele não é um jogador de videogames dos mais entusiasmados – prefere gastar suas energias praticando atividades como o kendo, uma arte marcial criada pelos samurais japoneses.
Por meio dos computadores interligados em rede das lan houses, equipes formadas em média por seis jovens disputam entre si e traçam suas estratégias em salas de bate-papo virtual durante as partidas. Graças à própria natureza dos jogos – os mais populares são o Counter-Strike e o Battlefield, que simula batalhas da II Guerra Mundial –, os adolescentes terminam por se associar em clãs regidos por códigos de fidelidade e hierarquia. Mais que um apelido, cada jogador tem uma reputação a defender nesse mundo de fantasia. Assim como acontece em relação aos videogames em geral, as lan houses são um universo eminentemente masculino. Mas as garotas vêm aumentando sua freqüência nesses locais: em algumas redes, atraídas pelos colegas e namorados, já correspondem a 13% dos usuários. Elas preferem jogos de estratégia, como o The Sims.
Pesquisas de universidades americanas mostraram que os videogames podem ter efeitos benéficos para os jovens, como no desenvolvimento da coordenação visual e motora. Por outro lado, uma corrente de especialistas aponta o excesso de violência de jogos como Doom, cheio de monstros e pancadaria, como uma possível influência nociva. A verdade é que há jogos não recomendados para todas as faixas etárias – os pais devem seguir as indicações da embalagem do produto. No caso das lan houses, os especialistas sugerem que os pais visitem o local freqüentado pelos filhos, para conhecer o ambiente. Pais e adolescentes devem ter ainda cuidado com os exageros – tanto nos videogames em casa quanto nas lans. Eles podem viciar, sim. "O alarme soa quando o jovem começa a ir mal na escola, não come direito por causa disso e também quando fica irritadiço por não poder jogar", diz Ivelise Fortim de Campos, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.



Os jogos mais populares


Counter-Strike
No jogo mais popular nas lan houses, adolescentes dividem-se em times de policiais e terroristas
Doom
Povoado de monstros e cheio de violência, o videogame não é recomendado para todas as faixas etárias
Lugar de jogar, curtir, azarar

Nas lan houses, os jovens disputam partidas coletivas de videogames em
computadores. São 2 000 estabelecimentos no Brasil, que estão entre
os locais favoritos dos adolescentes. Veja como é uma casa do gênero




1. NÃO É COISA DE MENINA
As lan houses são ambientes masculinos. Embora nos últimos tempos mais garotas venham dando as caras para jogar, acompanhar os namorados ou paquerar, elas representam apenas 13% do público
2. FREQÜÊNCIA FIEL
O usuário típico aparece na lan house três vezes por semana e passa duas horas e meia no local
3. MESADA
Cada hora de uso do computador custa em média 3 reais. Em um mês, o freqüentador assíduo gasta em torno de 90 reais para jogar
4. COMER SEM PARAR
No local, vendem-se lanches, salgadinhos e refrigerantes. Além disso, o ambiente é animado por música pop em alto volume. A idéia é que os adolescentes passem o máximo de tempo lá
5. HORA DO RECREIO
Além de jogar, os adolescentes utilizam a internet. Enquanto alguns usam terminais e impressoras para fazer trabalhos de escola, outros participam de bate-papos e azaração na rede

Dicas para os pais
A melhor forma de averiguar se uma lan house tem ambiente sadio para o adolescente é conhecer o local pessoalmente  
Em muitos estabelecimentos, os pais podem pré-combinar quantas horas o filho poderá jogar por mês